Câncer é um tormento para as mulheres na África
24/10/2020
Mais de um milhão de novos casos de câncer são relatados todos os anos na África e o número pode ser bem maior.
Existem enormes desigualdades no acesso ao rastreamento e tratamento da doença na África Subsaariana e o câncer de mama e o câncer de colo do útero são os mais comuns no continente.
Em 2018, MSF criou projetos-piloto para mulheres com as doenças no Mali e no Malauí.
Enquanto a taxa de sobrevivência de 5 anos para mulheres com câncer de mama em países de alta renda é superior a 85%, na África não ultrapassa 15%.
“Embora alguns países tenham médicos treinados, instalações bem equipadas e suprimentos de medicamentos para quimioterapia, ainda existem vários problemas.
O primeiro é a falta de rastreamento sistemático, o que leva ao diagnóstico tardio dos tumores. Mais de 80% das mulheres chegam a um estágio muito avançado da doença”, explica a coordenadora do projeto de oncologia de MSF, Claire Rieux.
Triagem atrasada
Conhecimento insuficiente sobre a doença, falta de conscientização da população e infraestrutura precária em áreas mais remotas são alguns dos motivos dos diagnósticos tardios.
As pacientes chegam com cânceres em estágio 3 ou 4, o que reduz consideravelmente suas chances de recuperação.
“Eu tinha ouvido falar de câncer cervical porque uma colega de classe teve e morreu. Ela foi enviada ao hospital para ser examinada. Mas, a doença já havia se espalhado para seu útero e outros órgãos e ela não recebeu nenhum tratamento. Apenas esperou para morrer. Ela tinha 24 anos”, diz uma paciente tratada pelas equipes de MSF em Blantyre, a segunda maior cidade do Malauí.
A essas barreiras se unem as crenças, tabus e medos frequentemente associados ao câncer que desencorajam as pacientes de procurar tratamento. “As pessoas que têm a doença muitas vezes enfrentam muito estigma, o que leva as mulheres e suas famílias a escondê-la. Esse é outro motivo para muitas mulheres chegarem tarde demais ao tratamento”, explica Petra Becker, coordenadora do projeto de oncologia de MSF no Mali. Algumas esperam para ver se os sintomas persistem antes de recorrer a curandeiros tradicionais, na esperança de que consigam curá-las. Dos primeiros sintomas ao diagnóstico, podem passar facilmente de 4 a 18 meses.
Barreiras de acesso ao tratamento
Em alguns países da África Subsaariana, o estado cobre o custo de alguns medicamentos contra o câncer e a radioterapia, mas, dada a extensão das necessidades, não é o suficiente.
As pacientes ainda precisam pagar por consultas e exames médicos, mesmo quando a doença as força a abandonar o trabalho.
No Mali, um simples exame de ultrassom pode custar mais de 100.000 francos CFA (cerca de mil reais). “As famílias costumam reunir recursos para pagar parte do tratamento até que não tenham mais dinheiro. Então, tudo terá sido em vão. Pode levar vários meses até que a paciente volte, e então o tumor pode muito bem ter se espalhado”, continua Becker.
MSF e o Ministério da Saúde administram um projeto de oncologia no Hospital Universitário Point G em Bamako, capital de Mali. O projeto atende mulheres com câncer de mama e do colo do útero que, com o tratamento curativo, têm boa chance de recuperação. “Quando atendemos uma paciente, cuidamos de tudo, ou seja, pagamos por todo o seu tratamento”, informa Rieux.
As equipes de MSF no Malauí auxiliam as autoridades nacionais de saúde a melhorar os exames, fornecer consultas médicas e tratamento ambulatorial para lesões pré-cancerosas e cancerosas e organizar campanhas de promoção da saúde na comunidade. Em 2018, as equipes iniciaram cirurgias especializadas e atendimento médico hospitalar. MSF também ajuda o Ministério da Saúde com campanhas de vacinação contra o papilomavírus humano (HPV).
Aliviando a dor
“A quimioterapia pode ter efeitos colaterais graves e incapacitantes, como dores e náuseas. Em alguns países, os medicamentos para aliviar a dor não estão disponíveis ou têm de ser pagos. Por isso, nossas equipes prestam cuidados adicionais para ajudar as mulheres a tolerar o tratamento”, continua Rieux.
Existem menos tratamentos curativos disponíveis para pacientes com câncer em estágio 3 ou 4. A remissão não é uma opção. Para a equipe assistencial, não se trata mais de curar a paciente, mas de prestar cuidados paliativos para confortá-la e apoiá-la no hospital ou em casa.
“Os cuidados paliativos no hospital ou em casa são muito importantes para garantir que a paciente tenha o melhor suporte possível ao fim da vida. Nossa abordagem é centrada na paciente, então o objetivo é ter uma equipe disponível para dar suporte somático, psicológico e social às mulheres. A família e a comunidade da paciente fazem parte do nosso pacote de cuidados. Não lidamos apenas com a doença, mas com tudo o que a acompanha”, continua a coordenadora do projeto de oncologia de MSF.
Para algumas mulheres, abandonadas por seus maridos e famílias, o impacto psicológico e social do câncer pode ser devastador. “Lembro-me de uma mulher que tinha câncer, seu marido a havia abandonado e sua filha não queria nada com ela. Já vi mulheres, mesmo com famílias amorosas, que acabaram sozinhas e em considerável sofrimento mental e social”, lembra Rieux. O controle da dor e o apoio psicológico às pacientes são elementos-chave dos programas de MSF no Mali e no Malauí.
Rieux conclui: “Temos que continuar nosso trabalho e ampliar nossos projetos para mulheres com câncer. Esse é um problema que MSF terá de enfrentar nos próximos anos. Avanços consideráveis foram feitos no tratamento, então é simplesmente inaceitável que as pessoas em países com poucos recursos não tenham acesso a eles.”
Fonte; MSF
FOTO:Francesco Segoni/MSF