Pesquisa mede impacto da pandemia no bem-estar dos brasileiros
26/01/2023
Pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP ajudou a quantificar e detalhar algo talvez esperado pelo senso comum: em abril de 2021, quando as mortes por covid-19 no Brasil já chegavam a 325 mil, os brasileiros relataram se sentir menos felizes e estavam mais propensos a estados negativos, como estresse e nervosismo, em relação ao ano de 2018. Os resultados também mostraram que, quanto maior o número de pessoas conhecidas que tiveram covid-19, menor o bem-estar dos participantes. Aqueles que tiveram familiares ou amigos próximos hospitalizados ou que morreram em decorrência de covid-19 também declararam maior adesão às recomendações de distanciamento e isolamento social.
O senso comum, porém, nem sempre se confirma quando aferido na prática, e estudos no tema podem ser contraditórios. Autora da pesquisa no IP, Tania Lucci conta que diversas pesquisas sobre o efeito da pandemia nas pessoas foram realizadas e os resultados variaram muito. Enquanto um estudo publicado no The British Journal of Psychiatry mostrou aumento de pensamentos suicidas, outro mostrou até mesmo um impacto positivo no cotidiano. Ainda, no World Happiness Report, ranking global de felicidade, o Brasil caiu da 29ª posição para a 41ª em 2021.
Na avaliação da pesquisadora, o estudo realizado no IP se diferencia por abranger pessoas de todas as regiões do País, contar com uma escala de bem-estar subjetivo adaptada ao contexto brasileiro e ter sido realizado em diferentes fases (uma antes e duas durante a pandemia). “Além disso, nós consideramos o quanto cada respondente foi afetado pela covid em relação a pessoas conhecidas ou próximas infectadas pelo vírus e o número de pessoas próximas ou parentes que foram internados ou morreram em decorrência da covid”, conta. “Outro diferencial é termos avaliado como as atitudes das pessoas diante da pandemia influenciaram o seu bem-estar”, complementa.
Ela destaca ainda que, quando se compara os índices de bem-estar de 2018 e 2020, não há diferença significativa. Os pesquisadores acreditam que, em 2020, as pessoas ainda não tinham se dado conta de como a pandemia havia mudado as suas vidas, o que explicaria a pequena diferença entre as respostas desses dois anos.
“Ao compreender os efeitos da pandemia no bem-estar dos brasileiros, o estudo pode auxiliar o desenvolvimento de programas adequados de apoio psicossocial para divulgar e possibilitar estratégias adaptativas de enfrentamento a crises, ajudando a transformar as pessoas em sobreviventes ativos face à pandemia ao invés de vítimas passivas”, defende Tania Lucci.
O artigo intitulado Some lessons learned from the COVID-19 pandemic: Subjective well-being before and during the pandemic among Brazilian adults foi publicado em um número especial, voltado para os impactos da covid-19, do periódico Current Research in Ecological and Social Psychology.
O bem-estar subjetivo
Participaram do estudo 1.840 pessoas entre 18 e 50 anos das cinco regiões do Brasil. Elas responderam à Escala Brasileira de Bem-Estar Subjetivo (EBBES), elaborada pelos pesquisadores. A escala é composta de 29 itens distribuídos em seis fatores: estados negativos, estados positivos, propósito de vida, satisfação com o ambiente, autoestima ligada à aparência e espiritualidade. Para cada item, há uma escala de respostas que vai de 0 a 10. “O bem-estar subjetivo diz respeito a como as pessoas experienciam e avaliam suas vidas e domínios específicos das suas vidas”, explica Tania Lucci.
A coleta de dados foi realizada em três etapas: em 2018 (antes da pandemia), em junho de 2020 (início da pandemia, 30 mil mortes no Brasil) e em abril de 2021 (durante a pandemia, com mais de 325 mil mortes no País).
Tania conta que, em 2018, antes do início da pandemia, o objetivo do questionário era estruturar uma base sólida para avaliação e promoção do bem-estar da população brasileira. “Havia a proposta de avaliar o bem-estar dos brasileiros de forma longitudinal, a cada ano. Quando começou a pandemia, percebemos a importância de avaliar o bem-estar subjetivo, comparando com os dados coletados antes do período pré-pandemia”, diz.
Impactos
Além de se sentirem menos felizes e alcançarem maiores pontuações de estados negativos, as pontuações de espiritualidade, que avaliavam o relato de proximidade com Deus e o hábito de rezar, em 2021, também foram baixas. Esse resultado foi diferente do que os pesquisadores projetaram: “Esperávamos que, diante de sentimentos de vulnerabilidade, a espiritualidade fosse um fator de proteção”, aponta Tania. Uma hipótese para o resultado encontrado ser contrário é de que as pessoas estivessem questionando a fé devido ao período de crise.
Em 2021, alguns participantes também relataram usar medicamentos de ansiedade e depressão, álcool e drogas ilícitas na tentativa de alívio. Mas o uso de álcool e drogas, assim como assistir televisão, foram comportamentos relacionados a um menor bem-estar.
Apesar de o bem-estar subjetivo ter sido impactado de forma negativa em vários aspectos, também foram identificados comportamentos associados a maiores níveis de bem-estar, como praticar exercício físico, socializar com as pessoas com quem moravam ou por meio de videochamadas, trabalhar e fazer tarefas domésticas. “Isso nos ajuda a refletir sobre estratégias adaptativas de enfrentamento ativo e políticas públicas efetivas para enfrentamento a situações de pandemia e de estresse”, diz Tania Lucci.
O estudo foi liderado por Emma Otta, professora do Instituto de Psicologia da USP, contou com a participação de Vinicius Frayze David e Ricardo Prist, ambos do IP, e teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da Natura e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). (Com Jornal USP)
*Foto: Shutterstock