HIV: A importância do acompanhamento psicológico no diagnóstico
12/12/2022
O mês de dezembro é dedicado à mobilização nacional pela prevenção do HIV e incentivo ao cuidado e assistência das pessoas que vivem com o vírus.
O tratamento do HIV alcançou avanços relevantes do ponto de vista da eficiência no controle da infecção e na redução dos efeitos colaterais dos medicamentos.
Embora a terapia antirretroviral tenha evoluído e a infecção seja tratável como outras doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, os impactos para a saúde mental de pessoas que recebem o diagnóstico ainda são significativos.
“O impacto do diagnóstico do HIV acaba sendo diferente daquele relacionado a outras doenças muito em função do estigma social associado ao vírus”, afirma o psicólogo Maycon Rodrigo Torres, membro do Laboratório de Psicanálise e Laço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de psicologia Faculdade Maria Thereza (Famath).
O especialista afirma que o fato de o contágio do HIV estar vinculado principalmente à transmissão por via sexual reforça a associação da infecção com questões ligadas à sexualidade.
“Em doenças como o diabetes e a pressão alta, não existe um componente de moralidade tão explícito quanto em relação ao HIV. O ponto da sexualidade e a dificuldade que a sociedade tem de lidar com o tema influencia no modo de recepção desse diagnóstico”, afirma Torres.
“Apesar dos avanços tecnológicos em relação ao tratamento e à qualidade de vida das pessoas, em última instância o preconceito social acaba influenciando diretamente no medo que as pessoas têm e no modo que elas lidam com a infecção”, completa.
Falta de apoio
A travesti Iza Potter, 38, morava na Itália quando foi diagnosticada com HIV aos 23 anos. Internada devido a um quadro de tuberculose, Iza afirma à CNN que foi informada de maneira traumática e sem qualquer apoio psicológico.
“Após três dias internada, uma enfermeira foi fazer algum procedimento e disse ‘você sabe que você tem HIV, né, você já está sabendo disso’. Eu respondi que não, que não sabia. Não teve no momento um apoio psicológico”, afirma. “Eu fiquei desesperada naquele momento”, relata.
Iza conta que, em seguida, a médica responsável pelo caso chamou a atenção da enfermeira e explicou sobre o diagnóstico. Ela afirma que sentiu como um descaso a abordagem da profissional de saúde como se, por ser uma travesti, o diagnóstico de HIV já fosse algo esperado.
“Ela não perguntou, ela afirmou ‘você sabe, né’. Não, eu não sabia. Foi um momento muito difícil”, destaca.
Iza afirma ter sofrido com dificuldades comuns da população trans e travesti no que diz respeito a acessar os serviços de saúde, como o desrespeito ao nome social.
“Por ser travesti, ter essa questão de achar que não vou encontrar apoio psicológico, ou por que talvez o hospital me tratava pelo nome masculino e isso se repete em todos os países, por as pessoas não estarem preparadas para receber uma travesti e outras coisas do gênero, porque é o que acontece. Isso te leva a criar certos tipos de barreiras para que você não busque o atendimento”, conta.
Ela afirma que, a transição como travesti foi a primeira vez que precisou se reinventar e que considera o diagnóstico do HIV a segunda. Hoje, Iza é ativista e fala abertamente sobre temas relacionados ao HIV no Instagram e no Youtube.
“Deixo uma mensagem ao público em geral, mas principalmente para mulheres trans e travestis que deixam de fazer testes, de se cuidar ou até mesmo de procurar um tratamento: não é o fim, é só um restart, não é uma doença, é uma infecção crônica e todo mundo um dia vai tomar algum medicamento, não se preocupe”, afirma.
Acesso ao diagnóstico
No Brasil, exames laboratoriais e testes rápidos, que detectam os anticorpos contra o HIV em cerca de 30 minutos, podem ser realizados de maneira gratuita em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). Saiba onde fazer o teste.
Pessoas que vivenciaram situação de risco, como ter feito sexo desprotegido ou compartilhado seringas, devem realizar a testagem, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde.
Nos centros de testagem, além da coleta e da execução dos exames, é oferecido um processo de aconselhamento, para facilitar a correta interpretação do resultados.
O psicanalista Cassio Rotenberg, docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), afirma que o acompanhamento terapêutico pode reduzir os impactos do diagnóstico para a saúde mental.
“Essa pessoa que imagina que a vida acabou muitas vezes não tem conhecimento do quanto ela tem de vida dentro dela e o quanto essa vivacidade, esse instinto de vida, vai ajudá-la a reverter esse momento que ela está vivendo”, diz Rotenberg.
“Do ponto de vista psicanalítico, podemos ajudar essa pessoa a ter a calma suficiente para falar assim ‘confie, que você mesmo vai começar a perceber que a vida não acabou’”, afirma.
*Foto: Getty Images/iStockphoto