TJ-BA condena Perini a indenizar autista por tratamento hostil durante a pandemia
23/09/2022
A Perini foi condenada pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) a indenizar um jovem diagnosticado com transtorno autista, em R$ 15 mil, por sofrer tratamento hostil e preconceituoso por parte dos funcionários da loja da Pituba, incluindo a gerente, por não usar máscara dentro do estabelecimento. O caso aconteceu em junho de 2020, no dia do aniversário do garoto, quando saiu para tomar um sorvete.
Na ação, a mãe do jovem, Margareth Ayres Fratel, contou que por conta do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o filho tem a capacidade de compreensão reduzida a respeito de permanecer com máscara de proteção imposta pelas medidas sanitárias na pandemia da Covid-19. Por se sentir claustrofóbico, o jovem não conseguiu usar a máscara de proteção o tempo todo no estabelecimento, mas se manteve afastado de outras pessoas no recinto.
Por conta disso, um segurança do local os abordou de forma agressiva, impondo o uso da máscara para permanência na loja. A genitora explicou ao segurança que o filho, por ser autista, não conseguia usar a máscara o tempo inteiro. O segurança afastou-se, mas em seguida retornou com as mesmas alegações. Nesse momento, a mãe do Autor retirou a máscara para melhor explicar a situação, surgindo, então, outro segurança que já conhecia o jovem e suas limitações cognitivas. Assevera que os funcionários da loja passaram a examinar a situação, lançando olhares raivosos, risos velados e perceptíveis chacotas, humilhando o Autor.
A mãe chegou a falar sobre o caso nas redes sociais. No desabafo, ela contou: “O mundo inteiro passa por um momento tão delicado, onde se está falando tanto de respeito ao próximo, e aí me aparece uma empresa que não sabe tratar um ser humano com o mínimo de dignidade que merece; dando espaço a funcionários boçais que não sabem ao menos ouvir uma cliente. Triste. Triste pra mim e muito mais pra vocês. Mas eu tenho certeza que, logo logo, vão aprender que não é assim que as coisas funcionam”. Somente após esse pronunciamento é que recebeu uma ligação da gerente da unidade defendendo a atitude dos seguranças por visar resguardar a saúde dos clientes e colaboradores, sem, contudo, manifestar qualquer retratação. Por isso, ela pediu indenização de R$ 41,8 mil pelos danos morais sofridos pelo filho.
Em 1º Grau de Justiça, o pedido foi julgado improcedente pela juíza Júnia Araújo Ribeiro Dias, da 14ª Vara das Relações de Consumo de Salvador. Ao negar o pedido, a juíza afirmou que na época do ocorrido, pouco se sabia sobre o vírus e o pânico era generalizado na população. A magistrada destaca que, na época, estava vigente a Lei 13.979, com as medidas para enfrentamento à pandemia do coronavírus, e que a máscara estava entre as medidas de proteção. “Portanto, a lei federal estabeleceu que pode ser adotada como medida de controle da disseminação do vírus o uso obrigatório de máscara facial”, explicou. Também acrescentou que vigorava a Lei baiana 14261, que determinava o uso das máscaras em ambientes fechados.
A juíza assevera que somente depois do fato ocorrido com os autores da ação é que foi feita uma modificação na lei federal retirando a obrigatoriedade do uso de máscara para pessoas autistas e com outras deficiências sensoriais. Além do mais, afirmou que a genitora não apresentou atestado médico sobre a condição de autismo. Outro ponto observado pela magistrada é que faltou especificar o que foram os “olhares raivosos, risos velados e perceptíveis chacotas”. Ao analisar o pedido, a magistrada afirmou que os seguranças agiram para dar cumprimento a uma obrigação imposta pelo Estado para funcionamento do comércio.
“Por óbvio que todas as restrições impostas pelo Covid-19 foram devastadoras aos indivíduos portadores de TEA e às suas famílias. As suas inerentes dificuldades de comunicação e de interação social, assim como a existência de comportamentos repetitivos e restritivos aliados ao isolamento social majoraram em muito toda dor, sofrimento e angústia de autistas e familiares cuidadores. No entanto, por mais empatia que se tenha ao autor, não emerge dos autos conduta ilícita. Inegável que houve mal estar, contudo, não há evidência de ato ilícito, haja vista que olhares ofensivos e sorrisos implícitos envolvem percepções muito subjetivas e todo o contexto macro da pandemia tornaram o autor e sua genitora, naquele exato momento, muito suscetíveis a desconforto emocional”, escreveu a juíza Júnia Araújo na sentença.
RECURSO AO TJ-BA
A mãe do autista recorreu da decisão para impor a condenação à Perini pelos danos morais sofridos. O recurso foi relatado pela desembargadora Regina Helena, da 3ª Câmara Cível do TJ-BA. A desembargadora rememora o relato do caso, que no dia, a mãe havia levado o filho para tomar um sorvete e comemorar o aniversário, pois já estava em casa há 80 dias. A Perini não apresentou contestação no caso, tendo sido decretada a revelia. Por não haver defesa da ré, a desembargadora reputou os fatos como verdadeiros. No acórdão, a relatora afirma que “se para as pessoas consideradas ‘normais’ já foi um grande desafio enfrentar tantas limitações, para as pessoas com deficiência e seus familiares, o desafio foi muito maior”. “Em que pese o momento de pandemia se tratar de situação extraordinária, a pessoa com deficiência reclama uma proteção especial, exigindo do julgador a aplicação do princípio da isonomia que garante o tratamento desigual aos desiguais, na medida da sua desigualdade, garantia constitucional”, afirma a desembargadora. Por isso, a relatora considerou que tratar uma pessoa com deficiência de forma vexatória no estabelecimento caracteriza “falha na prestação do serviço”, passível de indenização por danos morais, “por ultrapassar mero aborrecimento da vida cotidiana”. A desembargadora considerou que o valor de R$ 15 mil se revelou adequado e razoável frente a conduta da apelada, “atuando como fator desestimulante e sancionatório, sem implicar em enriquecimento ilícito”.
*Fonte: Bahia Notícias
*Foto: Reprodução