Cientistas dizem ter conseguido restaurar funções de células mortas de porcos
03/08/2022
Cientistas anunciaram nesta quarta-feira (3) que conseguiram restaurar algumas funções celulares e moleculares de porcos uma hora após a morte desses animais.
Além da reconstrução da atividade, o sistema inovador, divulgado em um estudo publicado na revista Nature, mostrou ser capaz de preservar certos tecidos em suínos.
“O objetivo do nosso artigo é mostrar que as células não morrem da forma como supomos, o que basicamente abre uma possibilidade de intervenção”, disse Zvonimir Vrselja, pesquisador em Neurociências da Universidade de Yale e dos responsáveis pela pesquisa.
“Neste estudo, estamos mostrando que, se intervirmos adequadamente, podemos dizer a elas [as células] para não morrerem”, completou.
Apesar disso, os pesquisadores ressaltam que nenhuma evidência mostrou uma atividade elétrica cerebral normal durante o procedimento.
Em 2019, o mesmo grupo havia anunciado uma técnica semelhante que conseguiu restaurar uma atividade metabólica em células de cérebros de porcos após seis horas sem o fornecimento de oxigênio.
Na época, os cientistas também alertaram que nenhuma atividade elétrica havia sido identificada que implicasse “um fenômeno de consciência ou percepção”, e que as células não estavam “vivas”, apenas “ativas”.
A diferença agora é que esse novo procedimento foi aperfeiçoado com êxito e pôde ser aplicado não apenas no cérebro, como também em outros órgãos dos animais testados, como o coração, pulmão, fígado, rim e pâncreas, algo que, segundo os pesquisadores, tem o potencial de proporcionar melhorarias na condução de transplantes e no tratamento de derrames e ataques cardíacos.
Como foi feito o novo experimento?
Os pesquisadores utilizaram um método bastante semelhante ao do primeiro estudo: porcos domésticos entre 10 e 12 semanas de idade foram levados a ter uma parada cardíaca. Após isso, uma solução artificial semelhante ao sangue foi bombeada pelo corpo de cada suíno uma hora após decretada a morte.
Essa solução consiste basicamente numa forma sintética da proteína hemoglobina, que transporta oxigênio nos glóbulos vermelhos, e foi irrigada através de um sistema controlado por computador ao longo de aproximadamente seis horas.
“O objetivo aqui era ver se o uso do perfusato [a solução] poderia restaurar a função metabólica e celular em uma ampla gama de órgãos, e descobrimos que sim. Mas ela não restaurou todas as funções em todos os órgãos”, explicou o diretor do Centro Interdisciplinar de Bioética da Universidade de Yale, Stephen Lantham.
Os autores verificaram então como esse aparelho, batizado de OrganEx, performava quando comparado com um sistema mais tradicional e já utilizado em hospitais para restaurar a circulação, a chamada ECMO (Membrana de Oxigenação Extra Corpórea).
Os resultados mostraram que enquanto a terapia por ECMO falhou em estabelecer uma circulação adequada de todos os órgãos (diversos vasos sanguíneos menores chegaram inclusive a colapsar), a OrganEx preservou a integridade de tecidos, diminuiu a morte celular e restaurou processos moleculares e celulares em vários órgãos vitais, como coração, cérebro, fígado e rins.
Fora isso, os órgãos tratados com o novo sistema apresentaram menos sinais de hemorragia ou edema tecidual (inchaço causado pelo acúmulo de líquidos) do que aqueles tratados com a terapia da ECMO.
Procedimento promissor
Embora mais pesquisas e estudos sejam necessários para que os cientistas possam compreender a segurança e o verdadeiro potencial da técnica na recuperação celular após a morte ou uma circulação sanguínea interrompida, os autores do artigo ressaltam que o procedimento abre as portas para novas estratégias no tratamento de pessoas que têm um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral.
“Essa tecnologia ainda está em fase experimental, e estamos antecipando mais estudos em animais antes mesmo de pensarmos em transcender ainda mais essa tecnologia”, destacou David Andrijevic, autor principal do artigo.
Além disso, o sistema poderia ainda aumentar a disponibilidade de órgãos para certos tipos de transplante, tendo em vista que as estruturas doadas poderiam ser melhor conservadas em algumas situações, como em casos de morte circulatória, que resultam numa baixa concentração de oxigênio no sangue prejudicial à sua preservação.
Limites éticos da técnica
O especialista de ética em transplantes, Brendan Parent, afirmou em um comentário publicado na mesma edição da “Nature” que os achados de Andrijevic e sua equipe levantam, novamente, uma série de questões éticas.
Isso porque o imbróglio envolve desde uma revisão da própria definição médica e biológica de morte até o fato de que, caso a OrganEx seja algum dia utilizada para a restauração celular em humanos, a técnica teria que ser testada por longos períodos sem fluxo sanguíneo, o que prejudicaria a realização de transplantes.
“Também é possível que uma futura interação da OrganEx possa aumentar o risco de que as pessoas que foram ressuscitadas não consigam sair do suporte à vida”, declarou Parent.
Assim, ele argumenta que decisões sobre a retirada ou manutenção de uma ferramenta do tipo não será uma tarefa fácil.
“O que as famílias de doadores e receptores de órgãos querem saber – e o que eles devem saber – deve ser melhor estudado e melhor compreendido por especialistas em ética, assistentes sociais, psicólogos e outros envolvidos na medicina de transplantes”, declarou Parent.
*Com G1
Foto: Divulgação