Pesquisa revela que sono insuficiente pode causar demência a longo prazo

Pesquisa revela que sono insuficiente pode causar demência a longo prazo

15/06/2021 0 Por Redação

 

Dormir mais ou menos do que o corpo precisa pode trazer problemas de saúde a longo prazo, segundo pesquisa publicada na revista Nature Communications,  na qual 8 mil das 10 mil pessoas estudadas tiveram seu sono detalhadamente acompanhado por 25 anos. Pessoas que têm entre 50 a 70 anos e que dormem por seis horas ou menos durante a noite estão mais propensas a desenvolver demência, cujo risco é aumentado em 30%. No seguimento médio de 25 anos, cerca de 520 pessoas que desenvolveram demência mantiveram uma duração de sono inferior a seis horas. A demência reúne um grupo de doenças que afeta o funcionamento de competências como memória, raciocínio, intelecto e, consequentemente, competências sociais. Uma dessas doenças é o Alzheimer, que, no Brasil, atinge mais de 2 milhões de pessoas por ano.

Luciano Drager, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na área das consequências cardiovasculares dos distúrbios do sono, explica que o sono ocupa até ⅓ de nossas vidas e é fundamental para a consolidação da memória e na manutenção e preservação da cognição, dos equilíbrios metabólico, emocional e psíquico.

O sistema glinfático – nome que vem da combinação da glia, o tecido de sustentação e nutrição dos neurônios, com o sistema linfático, que serve de drenagem – age drenando resíduos  tóxicos e metabólicos do sistema nervoso central que vão aos poucos se depositando com a atividade cerebral. “Uma delas, entre as várias substâncias, é a proteína beta-amiloide, que, quando acumulada, relaciona-se ao desenvolvimento da doença de Alzheimer. Então, o sistema linfático facilita essa distribuição cerebral e a remoção dessas toxinas e tem sido de forma substancialmente desenvolvida no entendimento do papel do sono também na área da cognição”, afirma o professor, ressaltando que “o sistema glinfático tem maior atuação durante exatamente o período de sono, principalmente relacionado ao sono profundo”. Portanto, vários distúrbios de sono, incluindo a privação de sono e insônia, podem influenciar o mau funcionamento do sistema glinfático e, dessa forma, favorecer o acúmulo de substâncias que vão propiciar um impacto na consolidação da memória e prejuízos à cognição.

De modo geral, uma duração curta de sono não reparador faz com que o sistema linfático sofra uma diminuição de sua eficiência e toxinas metabólicas produzidas durante a atividade cerebral acabem se acumulando. “Entre esses metabólicos, nós temos a proteína beta-amiloide, que pode ser acumulada e estar envolvida na fisiopatologia da doença de Alzheimer. Daí a importância de termos uma boa noite de sono, tratarmos outros distúrbios de sono para que possamos, entre outros fatores e benefícios, termos o impacto claro na cognição também.” Uma semana de sono interrompido aumentou a quantidade de tau, outra proteína responsável pelos emaranhados associados ao Alzheimer, demência do lobo frontal e doença com Corpos de Lewy, descobriu o estudo publicado na revista.

No caso de pessoas jovens, como observa o professor, a privação crônica do sono pode ter consequências na qualidade de vida e distúrbios de cognição e distúrbios cardiometabólicos. As consequências mais clássicas estão relacionadas ao dia seguinte, na sensação de um sono não reparador, irritabilidade, dificuldade de concentração, de performance e desempenho na atividade física. “Mas cada vez mais há alguns indicadores de que essas pessoas dormindo pouco, jovens, principalmente adultos de meia-idade, podem ter consequências a longo prazo como impacto na cognição, surgimento e predisposição à demência e maior suscetibilidade eventual à doença cardiovascular”, aponta.

Mas qual é a duração ideal de uma noite de sono? 

Segundo o professor Drager, essa resposta varia de acordo com alguns fatores e, entre eles, idade e predisposições genéticas. Os chamados curtos dormidores necessitam de menos horas de sono, mas não necessariamente estão privados de sono, graças a vários genes que predispõem a eles dormir “pouco” e estar bem no dia seguinte sem qualquer impacto cognitivo. Porém, “nós sabemos que os recém-nascidos precisam dormir de 14 a 17 horas por dia; entre bebês de 4 a 11 meses, existe uma necessidade de 12 a 15 horas e assim por diante, vai diminuindo ao longo do tempo”, explica o professor. Nos adultos, a orientação geral é que o ato de dormir esteja entre 7 e 9 horas em média e, acima dessa idade, depois dos 65 anos ou mais, essa quantidade média é de 7 a 8 horas.

Drager conta que “curiosamente, existem evidências de que, para pessoas que estão dormindo muito, acima daquele esperado, geralmente estudos envolvendo oito ou nove horas a mais cronicamente, também existem algumas consequências”. Os mecanismos ainda não são bem conhecidos e uma das ideias é que o sono prolongado pode ser um marcador de alguma doença por trás que possa justificar esse risco, como quadros de depressão.

Distúrbios do sono e pandemia do coronavírus

O Ministério da Saúde entrevistou mais de 2 mil pessoas na Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por inquérito telefônico, em que mais de 47% dos entrevistados apresentaram distúrbios do sono durante o período de quarentena na pandemia do coronavírus. Medo, estresse, ansiedade e mudanças drásticas de rotina estão entre as principais causas relacionadas ao desregulamento dos ciclos de sono, além do aumento de exposição às telas.

Luciano Drager explica que o ritmo circadiano é o período aproximado de 24 horas em que nosso relógio biológico interno mantém as atividades e os processos biológicos do corpo, como o metabolismo, o sono e a vigília. Esse sistema é influenciado pela exposição a diferentes tipos de estímulos ao longo do dia, que vão desde a luminosidade até diversos fatores relacionados ao estresse e ao ambiente. “Qualquer fator que está interrompendo esse ritmo circadiano habitual, como o estímulo visual, de contato frequente com luminosidade proveniente de tablets, de televisão, de acesso à internet etc., vai, sim, influenciar na nossa capacidade de ter uma boa noite de sono”, conclui.

 *Com informações do Jornal USP

Foto: Pixabay