Robô criado por brasileiros ajuda quem tem dificuldade de locomoção
25/01/2021
Nem sempre as pernas e a memória respondem às intenções. Entre idosos, por exemplo, caminhar até um cômodo da casa ou repetir aquele percurso pouco rotineiro pode ser uma tarefa complexa.
Um projeto em desenvolvimento, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), promete facilitar esse tipo de empreitada. Os pesquisadores desenvolveram um andador inteligente que combina recursos da robótica, da computação em nuvem e do aprendizado de máquina para ampliar as possibilidades tecnológicas em processos de reabilitação.
O Cloud Walker, como foi batizado, consegue perceber intenções de movimento dos usuários, monitorar o ambiente em que estão, desviá-los de obstáculos e memorizar caminhos percorridos, entre outras façanhas.
Coordenador do projeto, o professor de engenharia elétrica Anselmo Frizera Neto ressalta que todas essas tarefas podem ser executadas com segurança. “Os andadores convencionais apresentam uma série de problemas, sendo o risco de queda o principal deles”, afirma. “Nosso andador respeita os limites do usuário. Ele anda na velocidade adequada e compensa problemas de marchas assimétricas, por exemplo. É um dispositivo que funciona de forma segura, eficiente e individualizada.”
Uma série de artefatos permite esses avanços na navegação assistida: sensores, lasers rotacionais e de varreduras, câmeras e computadores. O pesquisador da Ufes conta que a combinação de todos esses dispositivos é resultado de um trabalho iniciado em 2006, durante seu doutorado na Universidade de Alcalá, na Espanha.
Na primeira etapa do projeto, o objetivo era deixar a interface mais natural. “O uso de botão é ruim. A pessoa tem que acioná-lo para ligar, desligar, fazer curvas com o andador. Desenvolvi um protótipo para medir a distância e as intenções de movimento do usuário”, relata.
No modelo, a pessoa apoia o antebraço em um suporte, e a distribuição de peso e o movimento das rodas do sistema criam uma interface háptica. O sistema facilita a interação do usuário com o andador e com o ambiente, além de dispensar a necessidade de treinamento prévio.
“O conjunto de sensores, incluindo sensores de forças, câmeras e lasers rotacionais, possibilita que o andador infira o movimento que a pessoa tem a intenção de fazer e forneça ajuda para ela seguir seu caminho”, resume o coordenador do projeto e também membro do Instituto dos Engenheiros Eletrônicos e Eletricistas (IEEE).
Sensores externos
Em uma segunda etapa da pesquisa, já na Ufes, Anselmo Frizera Neto e equipe trabalharam para adicionar funcionalidades à solução tecnológica. Em uma delas, por meio de leis matemáticas robustas, desenvolveram um sistema que faz com que o robô sempre fique na frente do usuário, pronto para ajudá-lo a se locomover para qualquer direção.
O grupo também recorreu a sensores para fazer com que o aparelho passasse a “olhar” para o que está em volta deles, reduzindo, por exemplo, o risco de quedas. “Há um controle de navegação que permite que a pessoa sinta confiança”, garante.
Ainda nessa fase, o uso de inteligência artificial permite que o robô andador construa mapas e consiga refazer percursos. “É uma combinação de assistência física e cognitiva que pode ajudar muito uma pessoa com Alzheimer, por exemplo”, indica o professor da Ufes.
Ele enfatiza que há outras complicações que dificultam a locomoção e podem ser amenizadas pelo Cloud Walker, como a baixa visão e limitações físicas temporárias — a reabilitação de pessoas que tiveram um acidente vascular cerebral, por exemplo (Leia Para saber mais).
Na nuvem
Nos últimos dois anos, a equipe tem trabalhado para integrar o andador com a nuvem, na tentativa de reduzir o consumo de bateria, baratear a solução para uso individual e também ampliar as chances de aplicação. “A boa conexão com a internet permite que a gente transfira as funções mais sofisticadas para a nuvem, como a confecção de mapas. O mais básico continua no robô”, explica o membro do IEEE.
Nesse formato, os dados coletados pelos sensores são armazenados e processados na nuvem computacional, abrindo a possibilidade para avanços no uso individual e coletivo da solução tecnológica.
No primeiro caso, o barateamento dos custos e a simplificação dos processos estão entre os atrativos. O atual protótipo permite o uso da bateria ao longo de 24 horas — antes, era preciso carregá-la a cada duas horas.
O valor de toda a eletrônica empregada caiu de US$ 1 mil para US$ 50. “Essa questão de custo é muito relativa. Um sensor pode chegar a custar US$ 10 mil, por exemplo. Depende das funcionalidades, de onde e como você vai usar”, pondera Anselmo Frizera Neto. “No nosso caso, fizemos escolha para popularizar a solução. Estamos usando o que chamamos de tecnologia de prateleira.”
Mapa coletivo
Para o uso coletivo do Cloud Walker, o pesquisador cogita o emprego da tecnologia em um hospital, em que diferentes máquinas — robôs andadores e outros tipos de robôs hospitalares — compartilham a mesma estrutura. “Ter o conhecimento centralizado do que está acontecendo com todos os robôs permite que haja uma melhor gestão desses recursos”, afirma. “A possibilidade da nuvem permite, por exemplo, um mapeamento mais extenso. Todos os robôs conectados na nuvem poderiam ajudar na construção de mapas colaborativos desse ambiente mais complexos.”
O monitoramento a longa distância também é uma possibilidade. O pesquisador da Ufes conta que tem uma parceria com uma instituição da Colômbia, e que o controle das funções de alto nível do robô de lá é feito aqui.
“A gente tem essa grande vantagem de conseguir colaborar com as pessoas a distância e de, inclusive, testar robôs diferentes. Esse robô da Colômbia, por exemplo, tem uma estrutura completamente diferente da nossa. Mas a parte de mapeamento e de navegação pode ser compartilhada. A gente consegue explorar outras realidades nas quais podemos oferecer benefícios.”
*Redação
*Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal