Ozonioterapia incorporada ao SUS não teve avaliação e incorporação pela Conitec

Ozonioterapia incorporada ao SUS não teve avaliação e incorporação pela Conitec

14/08/2023 0 Por Redação

 

As chamadas PICs (práticas integrativas e complementares), presentes no sistema de saúde pública, não tiveram sua avaliação e incorporação pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), dentre ela a Ozonioterapia, cujo uso foi sancionado na última segunda-feira (07).

Para ser incluída no SUS (Sistema Único de Saúde), uma terapia, medicamento ou tecnologia em saúde precisa da aprovação da Conitec. Só que, desde a sua criação, em 1988, as quase três dezenas de terapias complementares atualmente incorporadas ao SUS não passaram por esse crivo científico.

Por esse motivo, o Instituto Questão de Ciência, presidido pela microbiologista Natália Pasternak, enviou um ofício na última quarta-feira (09) à ministra da Saúde, Nísia Trindade, solicitando a revisão da legalidade das chamadas PNPICs (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) no SUS.

Criada em 2006, a política, aprovada pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde), define o conjunto de normas e diretrizes que visam incorporar as práticas complementares no SUS, avaliando, por exemplo, políticas de prevenção de agravos e de promoção de saúde segundo as técnicas de acupuntura, medicina tradicional chinesa, plantas medicinais e homeopatia, dentre outros.

Questionado pela reportagem, o CNS, responsável por monitorar as políticas públicas de saúde, disse que não tem nenhuma resolução sobre ozonioterapia.

A pasta da Saúde, por sua vez, disse que “a avaliação e incorporação de qualquer nova prática ou tecnologia no SUS passa pela Conitec, que avalia critérios como evidências científicas, segurança, eficácia e efetividade na saúde pública”, e que “a lei (sancionada) define que os serviços atualmente autorizados estão voltados para o uso odontológico e estético (limpeza e assepsia de pele) e depende de regulamentação pela Anvisa”.

De acordo com o ofício enviado à Saúde, a portaria que inclui as PICs como práticas complementares no serviço público de saúde é posterior à lei nº 12.401, de 2011, que alterou a lei vigente desde 1990 para definir a incorporação de tecnologias em saúde no âmbito do SUS e, portanto, não estaria respeitando esta última.

“Em março de 2017, com a publicação da portaria GM/MS n° 849/2017 e sem qualquer observância à alteração de 2011, foram acrescentadas 14 outras práticas à PNPIC. Em 2018, por meio da portaria GM/MS n° 702/2018, foram incorporadas outras 10 PICs, também sem nenhuma observância à alteração legislativa de 2011, totalizando 29 PICs oferecidas atualmente pelo SUS sem que tenha havido qualquer avaliação técnica prévia para a incorporação dessas práticas pela Conitec”, disse o ofício.

Ainda segundo a carta, o que se pretende demonstrar é que a atual portaria que integra a PNPIC “desrespeita a lei n° 12.401 de 2011, que determina que a avaliação da incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, procedimentos e produtos incorporados ao SUS deve ser analisada pela Conitec, no exercício de sua competência de assessoramento ao Ministério da Saúde”.

“Neste sentido, as práticas integrativas e complementares atuais, em especial aquelas incorporadas em 2017 e 2018, já com a Conitec formalmente instituída, nunca foram analisadas pelo referido órgão técnico, em manifesta violação da lei n° 8080/90.”

A nota pede, ainda, a suspensão imediata das portarias, tendo em vista “o potencial risco ao qual estão submetidos os usuários do SUS”.

Segundo Paulo Almeida, diretor executivo do IQC, o uso de instâncias oficiais, como o legislativo, para legitimar práticas sem evidências é um problema crônico.

“A sanção do PL que autoriza o uso de ozonioterapia em território nacional é um sintoma de um problema crônico que o IQC aponta desde sua fundação”, disse. De acordo com ele, a pasta precisa rever tal endosso a práticas sem validação científica.

A ozonioterapia se baseia na aplicação de ozônio medicinal, uma mistura gasosa que envolve duas substâncias: oxigênio e, claro, o próprio ozônio.

Apesar dos riscos, o presidente sancionou a lei que autoriza profissionais de saúde com curso superior a aplicarem a ozonioterapia como um tratamento complementar.

A lei, proposta em 2017 pelo então senador Valdir Raupp (MDB-RO), reforça que a ozonioterapia é um “procedimento de caráter complementar”, “somente poderá ser realizada por profissional de saúde de nível superior” e precisará ser aplicada com equipamentos devidamente regularizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Apesar da lei sancionada ter autorizado a técnica apenas para terapia complementar, diversas clínicas e médicos aplicam a terapia como forma de tratamento para doenças, como Covid-19, dores nas costas e até alguns tipos de câncer.

O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, comparou a liberação do uso da ozonioterapia com a cloroquina.

“Na minha opinião, essa liberação da ozonioterapia foi um erro”, afirmou Teich, em rede social. “Agora não temos o caos, o medo, a pressão, a politização e polarização do período agudo da Covid-19, por isso as duas discussões podem parecer diferentes, mas não são. Esse fato mostra como é difícil o sistema de saúde ser conduzido de uma forma técnica e científica”, disse.

No livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério” (ed. Contexto), da microbiologista Natália Pasternak e do jornalista Carlos Orsi, os autores apresentam várias das chamadas práticas complementares como não tendo eficácia e até podendo trazer riscos à saúde.

Durante a pandemia, a Conitec aprovou o medicamento barictinibe, da Eli Lilly, para o tratamento em pacientes adultos hospitalizados com Covid. Outras drogas, como os antivirais Paxlovid (Pfizer) e Remdesevir (Merck), foram aprovados pela Anvisa, mas não tiveram a incorporação definitiva no SUS.

Ainda, o órgão tentou barrar a inclusão do chamado tratamento precoce contra Covid, que havia sido proposto pelo então ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, mas a pasta decidiu pela não publicação da diretriz. A atitude foi vista por especialistas como uma vitória da ala pró-cloroquina do governo. (Com BN)

*Foto: Reprodução