Preço da alimentação pet dispara, e cuidadores de animais pedem socorro

Preço da alimentação pet dispara, e cuidadores de animais pedem socorro

28/09/2021 0 Por Redação

 

“Estamos no caos e eu não sei o que vem pela frente. Quem tem abrigo está vivendo uma situação realmente muito difícil”.

Luli Sarraf, presidente da ONG Celebridade Vira Lata, do Rio de Janeiro, fala de um problema que é realidade da maioria das entidades de proteção animal – e dos tutores de pets em geral também.

Se colocar comida na mesa está cada vez mais caro para o brasileiro, ainda mais pesado para o bolso está colocar ração nos comedouros de cães e gatos no país. Ao longo do ano, a inflação sobre a alimentação animal supera o dobro da registrada entre os alimentos e bebidas para os humanos.

A prévia da inflação de setembro, divulgada na última sexta-feira (24) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o preço médio da alimentação no domicílio acumulou alta no ano de 6,53% e a fora do domicílio, de 6,09%. Já a taxa acumulada entre os alimentos para animais chegou a 15,46%.

Uma pesquisa realizada pela Euromonitor International apontou que, em 2020, o Brasil superou o Reino Unido e se tornou o segundo maior mercado de produtos pet do mundo, com 6,4% de participação global. Perde apenas para os Estados Unidos, que têm assombrosos 50% do mercado.

“Esse mês eu gastei R$ 610 com ração comum. Ano passado eu gastava, mais ou menos, R$ 400 e pouco por mês”, disse a aposentada Maria Aparecida Pereira Metelo, de 60 anos, que mantém em casa nove cachorros e três gatos que, juntos, demandam cerca de 60kg de ração por mês.

Maria vive com seus pets em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O aumento real da ração por lá, segundo ela, é ainda maior que o registrado pelo IBGE.

“Ano passado eu comprava um saco de 15kg de ração para os cachorros por, mais ou menos, R$ 100. Agora eu compro um saco de 20kg por R$ 180”, contou. Ou seja, o valor por cada quilo de ração saltou de R$ 6,60 para R$ 9, o que corresponde a um aumento de, aproximadamente, 35%.

Questionada, Maria disse que não buscou, até agora, nenhuma alternativa para reduzir o gasto com a alimentação dos pets.

“Eu não tenho tempo para fazer comida para eles e prefiro não diminuir a qualidade da ração que compro, senão, lá na frente, eles acabam tendo muitos problemas de saúde. E os preços de remédios, de exames e veterinários também estão cada vez mais caros”, destacou.

Maria está certa quanto ao aumento nos preços relacionados aos tratamentos clínicos de animais. Conforme o levantamento do IBGE, eles acumularam alta de 2,83% entre janeiro e setembro. Já os serviços de higiene para animais acumularam médio de 5,12% no mesmo período.

 

Maria Aparecida Pereira Metelo mantém nove cães e três gatos na casa onde vive em Lagoa Santa, Região Metropolitana de Belo Horizonte — Foto: Arquivo Pessoal

Maria Aparecida Pereira Metelo mantém nove cães e três gatos na casa onde vive em Lagoa Santa, Região Metropolitana de Belo Horizonte — Foto: Arquivo Pessoal

Os remédios de uso veterinário não são pesquisados separadamente pelo IBGE para o cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação no país.

‘Estamos desesperados’

Se o aumento de preços da ração pesa para Maria, que mantém 12 pets, imagina para quem abriga 400 gatos e precisa comprar cerca de meia tonelada de alimento por mês.

“Estamos desesperados, tentando ver com novos distribuidores se conseguem nos repassar as rações ao menor custo possível”, diz Perla Poltronieri, fundadora e presidente da Catland, ONG instalada em 2012 no Jabaquara, bairro na Zona Sul da capital paulista, que se dedica ao resgate de gatos abandonados na cidade.

Perla enfatizou que “a alimentação é uma parte fundamental” do trabalho desenvolvido pela ONG. Isso porque a entidade prioriza o resgate de gatos idosos, machucados e doentes.

“Eles precisam de rações especiais, medicamentosas, ricas em nutrientes específicos. As rações normais encareceram muito, mas as medicamentosas aumentaram muito mais. Eu pagava cerca de R$ 100 em um saco de 3,5 kg, e agora estou pagando R$ 150, ou seja, 50% mais caro. E essas rações representam 20% do consumo na Catland”, ressaltou a fundadora.

Outro impacto relevante da inflação nas demandas dos gatos foi sobre a areia higiênica. A ONG utiliza 750 kg por mês e, segundo Perla, o gasto médio mensal saltou de R$ 1,2 mil para 1,8 mil, o que representa um aumento acima de 50%.

Além do impacto da inflação, a ONG também registrou grande aumento na demanda do abrigo em razão da pandemia. O local tinha capacidade para abrigar 300 felino e, atualmente, tem cerca de 100 a mais. Com isso, a despesa fixa mensal da Catland passou de aproximadamente R$ 70 mil para R$ 110 mil, um aumento de quase 60%.

‘Situação terrível’

Com uma demanda de 45 kg de ração por dia – cerca de 1,3 tonelada ao mês – a ONG Casa de Lázaro, que funciona há oito anos em Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tem passado dificuldades para manter abrigados cerca de cem cães.

“A situação está terrível. A gente acabou tendo que dispensar colaboradores para poder manter os custos. A ração teve um aumento de 30%. A gente gastava em torno de R$ 10 mil por mês no ano passado, e hoje o gasto com ração é de mais ou menos R$ 13 mil”, contou Vanessa Pinto, fundadora e presidente da ONG.

Para driblar o aumento de preços das rações, Vanessa disse ter aumentado a “panelada”, que é como ela chama a alimentação natural, prepara com arroz, frango e legumes para os cães.

“Esses alimentos também aumentaram muito de preços. Mas a ração é ainda mais cara e a maioria só vende à vista”, destacou.

Vanessa enfatizou, ainda, que o aumento dos custos é generalizado, já que “tudo ficou mais caro”, como as contas de luz e gás, os remédios veterinários e insumos diversos demandados para os cuidados com os cães abrigados.

“Nós usamos muitas luvas descartáveis, porque lidamos com animais muito machucados, e o preço delas ficou caríssimo. A gente pagava cerca de R$ 29 pela caixa com cem luvas, que agora está custando R$ 79”, apontou.

‘A proteção animal pede socorro’

Há mais de década atuando na defesa animal em São Paulo, a publicitária Luli Sarraf afirma que “a proteção animal pede socorro no Brasil”. O aumento de preços dos produtos e serviços do universo pet, segundo ela, agravam ainda mais as dificuldades da luta pelo bem-estar de cães e gatos.

Há 13 anos, Luli fundou a Celebridade Vira-Lata, que realiza o trabalho de castração de cães e gatos em São Paulo. Em média, a ONG realiza mil procedimentos por ano e, em 2021, ela viu a iminência da meta ser comprometida.

“Os insumos para castração encareceram muito. Eu cheguei a pagar seis vezes mais caro que no ano passado para fazer uma castração. No começo do ano ainda enfrentamos falta de analgésicos e anestésicos, os mesmo que faltaram para a intubação de pacientes com Covid no país”, contou.

Luli ressaltou que sempre fez a compra de uma só vez dos insumos usados para as mil castrações previstas para cada ano. “Este ano eu não comprei porque estava muito mais caro no começo do ano, cerca de 70%, por conta do aumento da demanda nas internações por Covid. Se eu aceitasse pagar aquilo, iria fazer muito menos castrações no ano”, disse.

A Celebridade Vira-Lata funciona de forma itinerante e, por isso, Luli tem contato direto com diversas ONGs e abrigos espalhados por São Paulo. Ela afirmou que “a situação de qualquer abrigo é sempre desesperadora” e que agora o quadro é ainda mais grave.

Luli explicou que, com a pandemia, aumentou muito o abandono animal, bem como a devolução aos abrigos.

“Muita gente que acolheu um animal de abrigo se viu despejada, obrigada a mudar de casa sem poder levar o pet. Sem contar o grande número de idosos que morreram por Covid – eles costumam ter muitos bichos, e a família os abandona depois da morte da pessoa”, apontou. (As Informações são do G1)

 

*Foto: Reprodução