Em laboratório, técnica que combina anticorpos e fototerapia elimina vírus HIV
12/08/2021
Testes em laboratório realizados em pesquisa do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP atesta a eficiência de uma técnica que combina fototerapia e imunoterapia – a fotoimunoterapia (FIT) – para combater o HIV, o vírus da Aids. Os pesquisadores desenvolveram um anticorpo com moléculas sensíveis à luz, capaz de se ligar ao vírus e a células infectadas pelo HIV presentes no sangue, destruindo-as por meio de uma iluminação específica. Novos estudos serão necessários para permitir o uso da técnica em seres humanos, como um complemento aos medicamentos retrovirais no combate à infecção pelo HIV.
A terapia é descrita em artigo publicado no site da revista científica ACS Omega em 8 de junho. “Nessa pesquisa, abordamos dois aspectos importantes quando consideramos uma terapia eficaz para o combate ao vírus, as células de defesa infectadas pelo HIV ainda persistem por décadas em pacientes que recebem terapia antirretroviral e o aumento alarmante de vírus HIV resistente aos medicamentos”, afirma o professor Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, coordenador da pesquisa. “Propomos nesse estudo a aplicação da FIT, não apenas contra as células de defesa que, quando infectadas, expressam as proteínas do envelope do HIV em suas membranas, mas também contra o próprio HIV circulante no sangue.”
A FIT combina terapia fotodinâmica e imunoterapia, direcionada a proteínas do envelope do HIV. “Usamos diferentes estratégias terapêuticas para alvejar e eliminar células infectadas e o próprio HIV usando fotossensibilizadores ligados a anticorpos que têm a capacidade de se ligarem a proteínas virais específicas, ou seja, os anticorpos ‘armados’ com moléculas fotossensibilizadoras se ligarão apenas ao alvo preestabelecido nas membranas de células doentes e nas proteínas do envelope do vírus circulante”, relata o professor. “Nessa situação teremos condição de eliminar apenas as células infectadas e o vírus através da iluminação com luz de comprimento de onda específico.”
Os anticorpos foram desenhados de forma estratégica para carregar fotossensibilizadores e agir apenas nas células-alvo infectadas pelo HIV e no próprio vírus circulante no sangue. “Além disso, ao ligar o fotossensibilizador ao anticorpo, estamos resolvendo alguns problemas da terapia fotodinâmica, como a baixa especificidade, dosagem e instabilidade da molécula fotossensibilizadora em meio aquoso”, destaca Guimarães. “Esta estratégia é importante pelo fato de que, na maioria dos casos, os fotossensibilizadores mostram-se instáveis em meio aquoso, o que inviabiliza muito o processo de terapia fotodinâmica.”
Moléculas sensíveis à luz
Os testes com a FIT, realizados in vitro, usaram duas moléculas fotossensibilizadoras. “Na primeira estratégia, as moléculas foram ligadas no interior do anticorpo para ficarem protegidas da ação ambiente”, aponta o professor. “Na segunda estratégia, as moléculas foram ligadas na parte exterior do anticorpo para variarmos o ‘carregamento’ molecular em cada anticorpo, ou seja, controlamos o número de moléculas ligadas ao anticorpo.”
A pesquisa mostra que anticorpos humanos contendo moléculas fotossensibilizadoras ligadas em sua estrutura, chamados de fotoimunoconjugados (FIC), ao se ligarem na membrana celular, induzem à morte das células doentes devido a danos físicos à membrana por oxigênio singleto (uma forma mais reativa de oxigênio), que é independente do tipo de fotossensibilizador utilizado.
“Observamos que os anticorpos com moléculas fotossensibilizadoras pode destruir as cepas virais, provavelmente via dano físico no envelope do HIV”, ressalta Guimarães. “Desse modo, nós demonstramos uma fotoimunoterapia que pode ser usada como uma possível ferramenta auxiliar para a terapia antirretroviral, matando células que expressam HIV e HIV livre de células, respectivamente. A técnica é potencialmente menos tóxica que os antirretrovirais e pode adicionar mais potencial ao controle ao HIV.”
De acordo com o professor, a terapia por antirretrovirais, em alguns casos, causa danos à saúde humana em longo prazo devido à toxicidade de drogas. “A molécula PIC é seletiva e não é afetada pela resistência aos medicamentos usados atualmente”, observa. “Se a eficácia for comprovada ‘in vivo‘, o PIT associado ao tratamento por antirretrovirais pode reduzir a dose e o número desses medicamentos antirretrovirais e diminuir a toxicidade desses medicamentos no longo prazo.”
“Observamos que os anticorpos com moléculas fotossensibilizadoras podem destruir as cepas virais, provavelmente via dano físico no envelope do HIV”, ressalta Guimarães. “Desse modo, nós demonstramos uma fotoimunoterapia que pode ser usada como uma possível ferramenta auxiliar para a terapia antirretroviral, matando células que expressam HIV e HIV livre de células, respectivamente. A técnica é potencialmente menos tóxica que os antirretrovirais e pode adicionar mais potencial ao controle ao HIV.”
Segundo Guimarães, ainda existem problemas a serem solucionados para o uso da técnica em uma terapia contra o HIV. “Deve-se solucionar a presença persistente do vírus, potencialmente em tecidos com baixa penetração dos retrovirais, e eliminar a replicação residual do vírus em células infectadas adormecidas, na forma latente. Devemos demonstrar que a fotoimunoterapia tem acesso a esses tecidos e reservatórios”, planeja. “Estas etapas devem ser realizadas em estudos a serem realizados em modelos animal e em humanos. Como a técnica não depende do tipo de fotossensibilizador, podemos escolher um tipo que atua com luz infravermelha, por exemplo. Nesse caso é possível ter acesso direto às células infectadas em órgãos como intestinos e vasos linfáticos através da iluminação externa.”
A pesquisa teve a participação de Mohammad Sadraeian, primeiro autor do artigo, que realiza estudos de pós-doutorado com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e do professor Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, ambos do IFSC. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), colaboraram Edgar Ferreira da Cruz e os professores Luiz Mário Ramos Janini e Ricardo Sobhie Diaz, do Laboratório de Retrovirologia. O trabalho contou ainda com as contribuições de Ross W. Boyle, da University of Hull, Calise Bahou e o professor Vijay Chudasama, do University College London (Reino Unido).
*Com informações do Jornal USP
Foto: Reprodução